sexta-feira, 18 de junho de 2010

Entrevista com Michele Sato

1. A EA de hoje está melhor ou pior que a EA de 20 anos atrás? Por quê?
Michèle:
Não acredito que exista este parâmetro comparativo entre passado e presente. Em cada época, contexto e fôlego, cada qual faz sua história. Vestidos de farrapos ou na nudez de cada época, os protagonistas se aventuram com suas forças, projetando seus sonhos. Seria injusto desprezar o passado, como se pudéssemos lançar a pergunta se somos melhores do que nossos próprios pais. Certamente eles dirão que sim, e como mãe, também daria mesma resposta em relação aos meus filhos. Mas o movimento ecologista requer um cuidadoso reconhecimento de lutas pretéritas e das esperanças tecidas que ainda não finalizaram. Entretanto, como tudo na vida (ou na maioria de suas coisas), vinte anos representam uma temporalidade de maturação, avaliação e mudanças de táticas. Erramos muito no passado, e negligenciamos diversas temáticas. Contudo, graças a estes tropeços, a geração atual também aprendeu pelos erros.

Em outras palavras, há erros e acertos sempre, independente de qual tempo estamos inscritos. E a boniteza da alma é reavivar a memória, dinamizar-se, permitir que o congelamento não nos cegue. Os velhos precisam aprender com os jovens, mas a recíproca também é verdadeira. Nos sítios arqueológicos ou no futurismo cósmico, as incertezas existem. Descobrimos a cada instante, seja revisitando o passado, seja prevendo o futuro. Beleza e feiúra se conjugam de mãos dadas e não há um melhor que o outro. Na ciranda da vida, Paulo Freire diria que há somente ‘saberes diferentes’.


2. O que está faltando para a EA brasileira ser “foda”?
Michèle:
Uma Frente de Oposição à Direção Atual (FODA)? Considerar a Educação Ambiental implica em inscrevê-la num círculo interligado ao momento político da sociedade. A Educação Ambiental não é uma ilha isolada do sistema e não pode ser vitoriosa isoladamente, do contrário, estaremos sendo cegos em promovê-la sem diálogos abertos com as sociedades sustentáveis que desejamos construir. Nunca a civilização testemunhou uma época tão fugaz, fugia e eminentemente pública. Os acontecimentos ocorrem de forma paulatina e não conseguimos mais nem ler os velhos jornais por inteiro. Inúmeras informações chegam em nossas caixas postais, nos assombrando ao grande desafio mundial: participação efetiva e não meramente representativa. Reuniões de redes ou ONG são esvaziadas, fóruns universitários não dão quorum e os impactos ambientais crescem em contramão às nossas especializações.

Estaremos silenciados pelo medo? Acredito que não. Estamos tateando, buscando construir qual é o melhor caminho para atuar, errar menos, ser mais tático. De fato, não sabemos como agir nesta era tão mutante. Estamos, velhos e jovens, em pleno processo de construção e não há varinha mágica que acene receitas, dê veredictos únicos ou métodos infalíveis.

Muita gente atribui o fracasso da educação ambiental à falta de informação. Infelizmente não penso desta maneira. Os veículos de comunicação de massa estão a todo vapor, escolas, informativos e o mundo informático estão cheios destas informações. O mais desesperador talvez seja encontrar sempre a meia dúzia de pessoas que sempre estão nos encontros ambientais, seja de que caráter tenha. E este panorama local se repete no cenário nacional e internacional. O círculo é vicioso, mas não sei como o tornaria em um círculo virtuoso, senão pelas minhas próprias tentativas de assumir as 3 ecologias do Gattari, coincidentes com a fenomenologia MPontyana:
1. ECOLOGIA MENTAL (EU) - de saciar as sedes existenciais na esperança do devir, do reconhecer que os erros são normais e que a perfeição simplesmente não existe. Do acolher limites, tropeços e caos para que o infinito, os acertos e a harmonia sejam possíveis na dinâmica do ciclo da vida e morte.
2. ECOLOGIA SOCIAL (OUTRO) - de respeitar o erudito, sabendo abrir fendas para que o popular seja acolhido. Lutar para que a inclusão social seja realmente ampla e democrática, sabendo respeitar as diferenças desde as empresas até os povos indígenas. Ampliar a bandeira da justiça ambiental, promover a multiculturalidade, tolerância, “com-vivência” e solidariedade.
3. ECOLOGIA AMBIENTAL (MUNDO) - de assumir que a natureza jamais poderá ser vista como mero “recurso natural”, senão como uma teia tecida em mosaicos de vidas e não vidas. Da ultrapassagem do antropocentrismo, do acolher diálogos, tentando superar o dilema tardio de Platão em ser uno e simultaneamente múltiplo.


3. Como você a EA daqui a 10 anos? Como ela estará?
Michèle:
Eu sempre a esperarei vê-la lindamente construída, ontem, hoje e amanhã. Qualquer que seja a temporalidade, que ela supere a tirania do calendário imposto por Chronos e roube o mito de Kairos, igualmente senhor do tempo, mas que falava em tempo pelo ritmo dos corações e não de relógios. Que a afetividade, amorosidade e generosidade também possam ser acolhidas nas lutas, onde as ciências podem (e devem) dialogar com as artes.

Que a infância, adolescência, maturação e velhice sejam conjugadas a um só tempo nas máscaras modeladas pelas nossas fantasias, entre a alegoria do carnaval de ruas e o choro do dia seguinte do pierrô abandonado. E que os retalhos sejam considerados no mosaico de cores, jamais desprezados. Que os espelhos reflitam a arqueologia pretérita para que as possibilidades futuras não sejam tão cicatrizadas, com sangue jorrando, injustiças atrozes, perversidades da vida...

Que o cheiro da chuva exale o perfume do sol, porque reconhecemos que o arco-íris é sempre incerto, deslizando em céus azuis sem início ou fim, apenas pairando em sonhos etéreos de palavras, linguagens ou silêncios inefáveis assoprados pela brisa.

Que a Educação Ambiental continue a zelar pela Terra, em sua maior magnitude da beleza inacabada, porque a luta sempre refletirá para que o futuro exista, exalado em aromas de sabores no pulsar das esperanças...

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